Nas
crenças e lendas do vampirismo, o infectado não tem apenas o poder de se
transformar em morcego. À noite, quando ele sai do túmulo, torna-se lobo...
como se à floresta, às montanhas, aos ermos que rodeiam o seu domínio apenas
fosse adequada essa forma flexível, também ela feita para a astúcia, essa forma
que mata.
Mas o uivo de lobo (que sendo dado pelos cães chamamos vulgarmente o
uivo da morte) não é somente um uivar animal. E o instinto, a resposta, assim
que o lobo se apercebe do poder oculto e magnético da Lua.
Ele cumpre um tipo de cerimonial gelado. O vampiro que tem o poder de
ficar com o aspecto de lobo não é somente um amante da licantropia. Não é um
monstro isolado, perdido na noite e entregue à sua forma animal. Ele contém
todos os instintos secretos do animal, todos as suas forças... e mesmo para
além disso (padres ortodoxos houve que lhe deram certo crédito). Uma vez que
ele tem a faculdade de liderar entre os lobos e os morcegos, o reino animal
reconhece nele, por instinto, a energia oculta que lhe vem de antes da morte.
A lenda não esqueceu o peculiar poder do vampiro quando fala nos cães
uivando à volta de sepulcros e de animais meios enlouquecidos pela presença do doente.
O animal reage primeiro que o homem, porque compreende antes deste o que
representa um vampiro. «Quando ele apareceu de repente ao pé de mim», escreve
Stoker no Drácula, «eu direi ter ouvido apenas a sua voz elevar-se e
tomar um tom de profunda autoridade. Vi-o então a meio da rua. Estendia os
longos braços como que para empurrar um muro invisível. Os lobos deixaram de
uivar e recuaram lentamente. Nesse momento a Lua foi coberta por uma nuvem e de
novo ficamos envoltos em profunda escuridão.» E acrescenta mais à frente: «E
contudo, pondo-me à escuta, ouvi lá muito longe, no vale, mais lobos uivar. Os
olhos do conde brilhavam e exclamou: ‘Escutai-os, são as criaturinhas da noite,
e que música eles fazem!...’»
Homem-morcego, homem-lobo, o Vampiro tem imensos poderes para se
transformar; mas o mais estranho é aquele que lhe permite desmaterializar-se
quase totalmente, tomando a forma etérea de um raio de lua ou de um simples
pirilampo.
Este fenômeno é dos mais complexos. Trata-se de um ponto de energia
minúsculo, de uma intensidade incrível. Um pouco como certos pontos negros do
tamanho de uma cabeça de alfinete e que aspiram tudo o que os rodeia nos
espaços intersiderais.
E o poder final do vampiro. Assim, o vampiro não possui apenas um
corpo mas vários. É pois impossível dar-lhe um único nome, ou atribuir-lhe um
só aspecto.
Quem é o príncipe Drácula? Um fantasma de forma imprecisa, toda feita
dessa «coisa» a que se chama vampiro, à falta de outros nomes que se lhe dêem.
Mais que um corpo ou uma forma, ele é um conjunto de energias vivas, larvar,
que uma vontade forte prolonga além morte.
Hoje em dia, dificilmente se aceita que um ser possa existir para além
do túmulo, possuindo o poder de se transformar em lobo, em morcego ou em
pirilampo. A superstição tomou conta desta terrífica criatura. Um Barba-Azul da
noite, um monstro bebedor de sangue. Seja onde for, ele encarna para nós o
medo... o medo da morte.
Nas tradições do mundo da magia, afirma-se que o poder do vampiro
depende unicamente da sua vontade. Mas essa vontade nada tem a ver com as
vontades humanas, pois ela não habita um corpo vivo. A superstição diz que os
vampiros apenas saem em noites de Lua cheia, como se a sua atividade noturna
dependesse essencialmente daquele astro.
Tratamos de voltar atrás, às antigas civilizações, para compreender
bem a importância do seu culto dedicado à deusa Istar que, como Hécate,
representa o aspecto mágico da Lua.
Sobre uma tábua da Caldeia, conservada no Museu Britânico, pode ver-se
o traçado da epopéia mitológica. Relata-se aí a descida de Istar ao país dos
mortos.
Chegada às portas da morada infernal, chama e pede sob ameaça: «Abre a
tua porta senão saltarei a vedação, galgarei os montantes e farei que os mortos
se ergam para devorar os vivos, e que venham a exercer sobre estes o seu
poder.»
Para os mágicos de Nivive, Istar reina entre os morto-vivos, isto é,
sobre os que venceram a morte. Tal como a todos os que a veneravam como toda
poderosa, assegurava viverem sempre na morte.
Depressa as crenças populares afirmaram que os defuntos podiam vencer
o túmulo se tivessem desejo de sangue de um vivo. Do mesmo modo que, na
mitologia grega, Eurípides representa Aquiles numa armadura dourada, em pé
sobre o túmulo, bebendo sangue de uma virgem sacrificada em sua glória.
Mais lamentáveis parecem ser esse tipo de vampiros, mulheres
feiticeiras da Roma antiga que tinham a faculdade de se transformar em aves de
rapina para vir saborear sangue humano. «Vistas durante a noite atravessando os
céus, e sem que nem as portas ou fechaduras as detivessem, iam estrangular as
crianças e devorar-lhes o fígado.»
Os partidários do culto da magia mergulham no fascínio do sangue
porque se sentem vulneráveis, ameaçados como todas as formas de vida terrestre.
O batismo do sangue para o vampiro é ao mesmo tempo blasfêmia e perversão. Deve
agir como armadura e protegê-lo contra a morte.
E como uma imitação do batismo de luz, do sacramento do Espírito
Santo, ligação indissolúvel entre Deus e o homem.
«Revesti-vos de Cristo», clama S. Paulo aos Romanos.
A imagem do túmulo ilumina-se de outra forma. A luz é vertical, cai
como um projetor potente e elimina todas as obscuridades.
Segundo os evangelistas, Cristo visitou os mortos: «Também aos mortos
foi anunciada a Boa Nova, a fim de que, julgados segundo os homens na carne,
eles vivam segundo Deus no espírito.»
O vampiro nega a ressurreição. Ela pretende pegar a morte com o seu
próprio punho, com a ajuda do seu querer pretende escavar a sua cova no inferno
e aí fazer a sua morada, sem o auxilio de Deus.
Os Vampiros (1986) –
Jean-Paul Bourre – página 13-15
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