quinta-feira, 6 de dezembro de 2012

LICANTROPIA



 “Vivo no inferno!”, pensei.

Acendi meu cigarro, cabulado, uma sombra no parapeito da janela, admirando a lua. Lancei a guimba cinco andares abaixo. Acho que acertei um gato, algo saiu correndo da lata de lixo. Voltei-me ao cubículo que chamava de Dormitório, um quarto-cozinha, o suficiente para sobreviver. Em meio ao caos que era aquele lugar, havia um mundo de tralhas. Sobre a cama, desarrumada, pilhas de revistas pulp que eu passei o dia lendo. Por todas as paredes, pôsteres mal colados de locadoras de videocassete, filmes que passaram antes do bug do milênio. O ventilador de teto sempre esteve pendurado ameaçadoramente, lá em cima, balançando quando alguma brisa adentrava o quarto. Mais à direita, havia um frigobar e uma pia – lotada de louça suja. No chão, embalagens de chips, garrafas de gim solitário.

E baratas por todo canto, esses insetos asquerosos. Atrás da porta, fotos de mulheres nuas. Lembro que era comum nos quartos adolescentes de filmes do final do século XX. Acho que os garotos punheteiros começaram a surgir em massa a partir do videogame, do come-come nos anos 80. Não havia dúvidas. Eu tava no inferno mesmo, o loop infinito de dor e asco. Ligar a TV só piora a situação. Não passa de um lixo alienante recheado de estímulos de violência e pulsão sexual. Assassinatos. Psicopatas. Programas de auditório. Bundas redondas nos comerciais de cerveja. Toda essa merda. Também evito ter um desktop. Computador em casa só serve pra te deixar distraído, vidrado. É um anestésico, pior que a droga da televisão. Joguei o monitor pela janela faz dois meses. Só uso internet fora de casa.

Cansei. Sentei-me na cadeira de três pés. Não estava me sentindo bem. Devia ser aquele sanduíche que comi na rua, a carne não cheirava bem. Minha cabeça começou a rodar. Olhei sobressaltado para as mãos peludas, as unhas selvagens. Deus! Há quanto tempo não as corto? Os pensamentos foram ficando cada vez mais confusos, como o chiado de um rádio fora do ar. Fome. Fome animal. Era como se houvessem rasgado um buraco negro no meu estômago. Devia tapar o buraco a todo custo. Derrubei a porta e saí correndo escada abaixo. Uivando.


André Serrano

Lambido de Pontos Estranhos 

Um comentário:

Anônimo disse...

Doidera!

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