quinta-feira, 2 de fevereiro de 2012

Quem Tem Medo do Lobo Mau?

Presente na cultura mundial há milhares de anos, o lobisomem caminha entre a assombração e a realidade nas histórias que o povo conta Brasil adentro

Homesome, o Homem virando Lobisomem de Waldomiro de Deus
Não faz muito tempo que algumas crianças de um vale na zona rural de Petrópolis, que fica na Região Serrana do Rio de Janeiro, fugiam sempre que avistavam o velho Brás. De dia ou à noite, o homem quieto e pálido, dotado de uma face nada amigável, amedrontava os miúdos, que ouviam histórias de arrepiar sobre sua dupla personalidade. Não era para menos: corria na boca do povo que nas noites de lua cheia Seu Brás cantava encostado numa saibreira até que o canto virasse uivo. Espojando-se no chão, o corpo do homem envergava-se na forma de um lobo e nele crescia uma pelugem espessa. Brás não era mais humano, era agora uma fera terrível, capaz de matar uma pessoa em uma bocada só.  

Aquele cachorro muito grande vira e mexe era avistado por algum transeunte que se aventurava pelas estradas de terra do vilarejo depois do sol se pôr, perto da meia noite. Era só o mato sacudir que o incauto saía rápido como um foguete para escapar das garras da morte. Mas Seu Brás não era de ferro - e tampouco, eterno. Há alguns anos, o velho morreu e com ele se foi o medo das noites de lua cheia e de vultos sob aquela árvore.

As histórias sobre o lobisomem não são comuns apenas em Petrópolis. Longe disso. O mito do homem que vira lobo ou lobo que vira homem é universal. Tem suas raízes na Roma Antiga e se manifesta das mais diferentes maneiras em cada cultura – o mais antigo relato desta fera híbrida no Ocidente, por exemplo, data do século I, quando a história de um soldado que se transforma em lobo é narrada por Tito Petrônio Arbiter, num livro chamado Satíricon. Daí para frente pipocaram relatos, pinturas e textos sobre este ser das trevas, que perambula por bosques da Europa, da África, da Ásia e das Américas. Pouco importa como ele foi parar em tantos lugares, como mesmo lembra a pesquisadora Guacira Werneck, do Centro Nacional de Folclore e Cultura Popular: “o interessante mesmo sobre um mito é ver como ele aparece no imaginário popular”. Pois bem.

Lobisomem no Brasil

No Brasil, segundo uma pesquisa realizada pela antropóloga Maria do Rosário Tavares de Lima, durante os anos 1980, o amaldiçoado é sempre uma pessoa esquisita durante o dia: geralmente pálido, magro, peludo; nunca encara os outros, sempre desvia o olhar. Nas noites de lua cheia, ele pode assumir variadas formas, sendo a mais comum a do cachorrão preto com dentes afiados e malícia no olhar. Às vezes solta fogo, mas não necessariamente.

Waldomiro de Deus já deu de frente com o maligno. Nascido no vilarejo de Maçaranduba, no interior da Bahia, o artista plástico nunca se esquece do dia em que avistou essa maldição, à noite, numa encruzilhada. Ele era criança e já tinha ouvido falar do mito. “Minha mãe tinha uma dor terrível do lado da barriga e às vezes caía passando mal”, conta. “Nessa noite, o pai estava viajando, e nós, eu e minhas duas irmãs pequenas, fomos chamar minha tia na fazenda do meu avô. A gente morava perto da fazenda, fomos os três com o candeeiro da cozinha... Chegando lá, ninguém quis voltar com a gente. Nem Tia Maria, nem Tia Arlinda. Voltei eu e as duas irmãs. Quando vinha para minha casa, perto dali tinha uma encruzilhada. Olhei de longe, na claridade da lua, e falei pra minha irmã mais velha: Me dê Waldeci no colo. Aquilo ali é um lobisomem!”.

E a tragédia não parou por aí. As três crianças voltaram correndo morro acima, com o monstrengo no encalço. Segundo Waldomiro, ele ouvia o tilintar dos dentes da fera e tinha medo de não sair mais vivo daquela estrada. Da fazenda, a família ouviu os gritos. Saíram da casa com armas para matar a criatura, que logo fugiu com medo da multidão e das tochas. É sabido que lobisomens têm medo de fogo. Foi quando Maria, a tia de Waldomiro “atazanada por espíritos”, decidiu acompanhá-los de volta. Na casa da irmã, que ainda estava adoecida, Maria torrou um café e, tarde da noite, decidiu “usar o mato lá de fora”. Naquela época, as casas da roça não tinham banheiro.

“O bicho veio e pulou em cima dela com tudo”, lembra Waldomiro. “Ela deu um grito. Corri de dentro de casa, vi o bicho feio, enorme na porta. E nós gritando. Aí eu peguei uma espingarda velha, tremi tanto que ela caiu da minha mão. Aí peguei um tição de fogo e o lobisomem saiu correndo e desapareceu”.

Desmascarando o maligno

O amaldiçoado foi descoberto. Naquela mesma noite, a criatura atacou outras pessoas das redondezas e, ao conversar com os vizinhos, o menino descobriu que o lobisomem era um homem estranho que morava próximo dali. A prova? Em sua forma de homem, o herdeiro do fadário vomitou patas de filhotes de cachorro próximo a uma amiga – cria de sua própria cadela, desaparecida no dia anterior. Por ali, todo mundo sabe: na noite em que há a transformação, o bicho precisa correr sete praças, sete encruzilhadas, comer sete cachorros ou galinhas e voltar ao local onde deixou as roupas de humano – antes do galo cantar. Se por acaso alguém achar as roupas do monstro, queimá-las e substituir por novas antes dele voltar, o encanto pode ser desfeito e o lobo volta a ser homem. Para sempre.

Mas há outras formas de se quebrar o encanto ou até mesmo matar o monstro. No livro “Lobisomem: assombração e realidade”, a folclorista Maria do Rosário destrincha as características gerais desta fera no Brasil e diz que, segundo os relatos ouvidos, ele é morto se levar um tiro no dedo mindinho do pé, ou tiro de bala benta ou bala lambuzada em cera de vela do altar. Fazê-lo sangrar com um objeto de prata adianta, mas só para livra-lo da maldição. É difícil, mas é possível.

No nosso país, os lobisomens que por aqui passaram sempre eram associados ao diabo ou aos pecados da carne. Sua sina é espalhar o mal pela terra, desvirginar donzelas e servir de penitência a quem desobedeceu às leis de Deus ou então desrespeitou os pais.

Lobisomem do bem?

Uma exceção é Joanópolis, no interior de São Paulo. Recentemente, a cidade que serviu de pesquisa para Maria do Rosário passou a ser chamada de "capital mundial do lobisomem" e abriga uma Associação de Criadores de Lobisomens. Lá a figura do monstro não é assustadora. É na verdade boazinha. O mito folclórico foi transformado em atração turística para impulsionar a economia local e, ao mesmo tempo, conservar as histórias do povo que, após a chegada da luz elétrica na cidade, em meados do século passado, começaram a ficar escassas. Diz-se que o híbrido tem medo de claridade.

“A tradição do lobisomem sempre foi muito forte aqui”, conta o vice-presidente da Associação, Valter Cassalho. “Em 1998, um grupo de amigos decidiu resgatar essa tradição oral, colhendo depoimentos e transformando o monstro numa figura amistosa, preocupada com o meio ambiente. As pessoas passam a lembrar os casos da família, recontam histórias da infância. É uma forma de deixar o mito sempre vivo”.

Em Joanópolis há a casa do lobisomem, onde se vendem camisas, canecas, fantoches, miniaturas da figura folclórica. Nos restaurantes, é possível encontrar a comida do lobisomem, uma receita caseira feita a base de frango – já que estas criaturas são famosas na região por devorar titica de galinha ou as próprias aves.

“Acho que em geral as pessoas têm medo do lobisomem porque ele passa correndo por elas, ele assusta. Mas, na verdade, ele pode ser também um amigo”, acrescenta.

Do bem ou do mal, o lobisomem vive na cultura brasileira. E não à toa. Como mesmo diz Waldomiro de Deus: “O lobisomem só está na história que o povo conta porque é coisa verdadeira. Eu vi, gente vê. Como não existe?”.


Alice Melo

2 comentários:

Anônimo disse...

São várias lendas de lobisomem brasileiras, mais é certo que os lobisomens brasileiros precisam fazer algumas coisas para voltar a forma humana e substituir as roupas dele desfaz a maldição?

Nigra Garou Lupo disse...

não creio... E, além do mas, Não é uma maldição!

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