quarta-feira, 15 de fevereiro de 2012

O Lobisomem

No meu tempo de criança,
Quando um bebê chorava,
Acho que só por vingança
Quem ao pobre acalentava,
Amedrontava o coitado,
Que terminava engasgado
Com os sustos que tomava.

A cantiga de ninar
Era uma coisa maluca
Era o Boi da cara preta
Era o Saci, era a Cuca,
Se o bebê não se calasse,
E bem mais alto gritasse,
Levava um croque na nuca.

Era tanto terrorismo
Que dava pra arrepiar,
Tinha um tal de Papafigo
Que o fígado vinha roubar
E a danada da chupeta,
Mesmo fazendo careta,
O bebê tinha que enfrentar.

Mas eu quero falar aqui
Sobre um bicho esquisito,
Lobisomem, por sinal,
Um lobo meio maldito
Que em noites de lua cheia,
Amedrontava a aldeia
Correndo e soltando grito.

Pelo jeito ele adorava
Causar medo àquele povo,
Era grande a choradeira,
Lobisomem era um estorvo!
Quando a pessoa caía,
Ele esganava e comia
E ia caçar de novo.

Gostava de amedrontar
As mulheres da cidade,
Velha, nova, todo tipo,
Não escolhia a idade
Onde tivesse mulher,
Num escurinho qualquer,
Ele ficava à vontade.

Se era mentira ou verdade,
O destino estava escrito:
Era um duende? Um bruxo?
Um chupa cabra? Um cabrito?
Se alguém o encontrasse
E em sua frente passasse,
Santo Deus! Estava frito!

No entanto, certo dia,
Um lobisomem diferente,
Começou a aparecer
E amedrontar toda a gente,
Mas Mariquinha gostava,
Até os olhos revirava,
Saltitando de contente.

Era um bicho de porte
Não muito avantajado,
O uivo era um sussurro,
E o pelo era penteado,
Dava até para enfrentar,
Era só não se importar,
Em sair meio arranhado.

Começou na redondeza
Uma enorme falação,
O lobisomem exótico
Causava admiração,
Ele arranhava o pescoço,
Fazia um grande alvoroço,
Porém não matava, não!

A notícia se espalhou
Para as cidades vizinhas,
Passava de boca em boca
Para todas as mocinhas,
Se uma delas duvidava,
A outra logo gritava:
- Pergunte a Mariquinha.

O prefeito já com medo
De perder a eleição,
Mandou logo um ofício,
Parecendo intimação,
Para que o destacamento
Da polícia, no momento,
Fizesse a apuração.

E mandou mais um recado:
Amigo, por caridade,
Quero força disponível,
Polícia de qualidade !
Se for insuficiente,
Peça ajuda ao tenente,
Vá buscar noutra cidade.

O tenente ficou doido
E entendeu que o perigo,
Que rondava a sua vida
Era pior que papafigo,
E disse: - Vou resolver
Para não acontecer
Uma coisa dessas comigo.

Correu e foi para casa
Para ver se conseguia,
A sua mulher guardar
Daquela grande agonia,
Mas ela ali não estava
E todo mundo comentava
A sua estranha alegria.

E a moçada foi ficando
Cada vez mais ouriçada,
Em noite de lua cheia
Por toda a madrugada,
Ouvia-se um alarido,
Era o bicho enxerido,
Dentro da mata fechada.

Os soldados procuravam,
Revirando a cidade,
Porém não logravam êxito
Porque, a bem da verdade,
O bicho não aparecia,
Parece que se escondia
E mordia sem piedade.

No sitio de seu José
Havia um belo riacho
O povo tomava banho,
E nadava de rio abaixo,
O danado do animal
Ali fez o seu curral,
Veja só o esculacho:

Quando a noite chegava
Era a mais pura alegria,
A moçada ia pro banho
Danava-se na água fria,
Se o lobisomem pegava,
Aquela ele só soltava
Na manhã do outro dia.

Seu José tinha um pássaro
Que vivia engaiolado
Era belo e cantador
E muito infeliz - coitado!
Já que estava na prisão,
Se alguém pusesse a mão,
Sairia beliscado.

Era o pássaro azulão,
Que não teve muita sorte
E foi preso no Nordeste
Ou lá pras bandas do Norte,
De um bico venenoso,
Deixava o corpo reimoso,
Chegava a provocar morte.

Acontece que Mariquinha
Pra disfarçar a noitada,
Botava a mão na gaiola
E saia bem beliscada,
Depois corria pro rio,
Sentia até calafrio,
Voltava de lá curada.

Se por acaso alguém via
A cara dela riscada,
E perguntava o que foi
Ela dizia animada:
- O azulão de seu José!
Fui lhe fazer cafuné,
Saí assim arranhada.

Passada a lua cheia,
Já na fase da minguante,
O lobisomem arribou
Da cidade e, num instante,
O povo logo entendeu,
Que o que ali sucedeu,
Era um tanto intrigante.

As meninas foram ficando
Parecidas com um balão,
Cheinhas de cima a baixo
E sem maior explicação,
Se os vizinhos perguntavam,
A culpa elas colocavam,
No bico do azulão!

E o tenente, coitado,
Ficou tonto de emoção,
Quando encontrou a mulher
Que nem prestou atenção,
Que a sua bem - amada,
Tinha sido beliscada
Pelo famoso azulão.

E o tempo foi passando
Depressa naquela aldeia...
Ao completar nove meses,
Após nove luas cheias,
Os comentários surgiram,
Então todos descobriram,
Que as coisas estavam feias.

Não sirvo pra testemunha
Pois eu não sou fofoqueira,
Mas sabe a derradeira
Que escutei pelos caminhos?
"Pelos cálculos da parteira,
Nasceram da brincadeira,
Mais de noventa lobinhos!

Maria do Socorro Domingos dos Santos Silva
João Pessoa, 15/12/2012

Um comentário:

Mônica disse...

Lycan,
que deliciaaa de poema (ou será um Repente?)
foi para meu caderno Zen ;) rs..

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