O lobo é sinônimo de selvageria e a loba de libertinagem. Mas pressente-se que a linguagem dos símbolos interpreta estes animais de um modo infinitamente mais complexo, pelo fato de, em primeiro lugar, a exemplo de qualquer outro vetor simbólico, poder ser valorizados tanto positivos como negativamente. Positivo parece o simbolismo do lobo quando se observa que ele enxerga de noite. Torna-se então símbolo de luz, solar, herói guerreiro, ancestral mítico. É a significação entre os nórdicos e entre os gregos, onde é atribuído a Belen ou a Apolo (Apolo lício). O criador das dinastias chinesa e mongol é o lobo azul celeste. Sua força e seu ardor no combate fazem dele uma alegoria que os povos turcos perpetuarão até na história contemporânea, pois Mustapha Kemal, que se nomeara a si próprio Ataturk, isto é, Pai dos Turcos, recebera de seus partidários o sobrenome de lobo cinzento. O povo turco, que, reunido ao redor dele, combatia para recuperar sua identidade, ameaçada pela decadência do império otomano, reintroduzia assim uma imagem muito antiga: a do ancestral mítico de Gêngis Khan, o lobo-azul, manifestação da luz uraniana (raio) e cuja união com a corça-branca ou ruiva, que representa a terra, colocava na origem deste povo a hierogamia terra-céu.
Os povos da pradaria norte-americana parecem ter interpretado do mesmo modo a significação simbólica deste animal: Eu sou o lobo solitário, eu vago em diversos países. - diz um canto de guerra dos índios da pradaria.
A China também conhece um lobo celeste (a estrela Sirius), que é o guardião do Palácio celeste (a Ursa Maior). Esse caráter polar se reencontra no fato de que se atribui o lobo ao Norte. Observa-se, entretanto, que este papel de guardião engloba o aspecto feroz do animal: assim, em certas regiões do Japão, invocam-no como protetor contra os outros animais selvagens. Evoca uma idéia de força mal contida, que é consumida com furor, mas sem discernimento.
A loba de Rômulo e Remo é, por sua vez, não solar e celeste, mas terrestre, senão ctônica. Assim, tanto num caso como no outro, este animal permanece associado à idéia da fecundidade. A crença popular, em país turco, conservou esta herança até nossos dias. Entre os bezoares apreciados pelos iacutos, na Sibéria, o do lobo é considerado como o mais poderoso; na Anatólia, isto é, na outra extremidade da extensão geográfica dos povos altaicos, vêem-se ainda mulheres estéreis invocarem o lobo para terem filhos. Em Kamchatka, na festa anual de outubro, faz-se uma imagem de lobo com feno, e ela é conservada durante um ano para que o lobo espose as moças da aldeia; entre os samoiedos coletou-se uma lenda que conta a história de uma mulher que vive numa caverna com um lobo.
Este aspecto ctônico ou infernal do símbolo constitui sua outra face importante. Parece ter ficado dominante no folclore europeu, como atesta, por exemplo, o conto do Chapeuzinho Vermelho. Já se constata sua aparição na mitologia greco-latina: é a loba de Mormoliceu, ama-de-leite de Aqueronte, com que se ameaçam as crianças, exatamente como hoje em dia se evoca o grande lobo malvado; é a capa de pele de lobo de que se reveste Hades, o senhor dos Infernos; as orelhas de lobo do deus da morte dos etruscos; é também, segundo Diodoro de Sicília, Osíris ressuscitando sob a forma de lobo para ajudar a mulher e o filho a vencerem seu irmão malvado.
É também uma das formas dadas a Zeus (Licaios), a quem se imolavam em sacrifício seres humanos, nos tempos em que reinava a magia agrícola, para pôr fim às secas, aos flagelos naturais de toda espécie: Zeus vertia então a chuva, fertilizava os campos, dirigia os ventos.
É também uma das formas dadas a Zeus (Licaios), a quem se imolavam em sacrifício seres humanos, nos tempos em que reinava a magia agrícola, para pôr fim às secas, aos flagelos naturais de toda espécie: Zeus vertia então a chuva, fertilizava os campos, dirigia os ventos.
Nas imagens da Idade Média européia, os feiticeiros transformavam-se com maior freqüência em lobos para irem ao Sabá, enquanto as feiticeiras, nas mesmas ocasiões, usam ligas de pele de lobo. Na Espanha, ele é a montaria do feiticeiro. A crença nos licantropos ou lobisomens é atestada desde a Antiguidade na Europa; Virgílio já a menciona. Na França, só se começa a duvidar a respeito sob Luís XIV. É um dos componentes das crenças européias, um dos aspectos de que se revestem, sem dúvida, os espíritos das florestas.
Segundo Collin de Plancy, Bodin conta sem enrubescer que, em 1542, foram vistos certa manhã cento e cinqüenta lobisomens numa Praça de Constantinopla.
Este simbolismo de devorador é o da goela*, imagem iniciática e arquetípica, ligada ao fenômeno de alternância dia-noite, morte-vida: a goela devora e vomita, ela é iniciadora, tomando, segundo a fauna local, a aparência do animal mais voraz: aqui o lobo, ali o jaguar*, o crocodilo* etc. A mitologia escandinava apresenta especificamente o lobo como um devorador de astros, o que pode ser relacionado com o lobo devorador da codorniz, de que fala o Rig-Veda. Se a codorniz* é, como observamos, um símbolo, de luz, a goela do lobo é à noite, a caverna, os infernos, a fase de pralaya cósmico; a libertação de dentro da garganta do lobo é a aurora, a luz iniciática que se segue à descida aos infernos, o kalpa.
Fenrir, o lobo-gigante, é um dos inimigos mais implacáveis dos deuses. Só a magia dos anões consegue parar a sua corrida, graças a uma fita fantástica que ninguém pode romper ou cortar. Na mitologia egípcia, Anúbis, o grande psicopompo, é chamado de Impu, aquele que tem a forma de um cão selvagem; é venerado cm Cinópolis como o deus dos infernos.
Esta goela monstruosa do lobo, de que Marie Bonaparte fala na sua auto-análise como estando associada aos temores de sua infância após a morte de sua mãe, não deixa de lembrar os contos de Perrault: Vovó, como tu tens dentes grandes! Há, portanto, observa G. Durand, uma convergência bem nítida entre a mordida dos canídeos e o medo do tempo destruidor. Cronos aparece aqui com o rosto de Anúbis, do monstro que devora o tempo humano ou que ataca até os astros que medem o tempo.
Falamos do sentido iniciático destes símbolos. Acrescentamos que eles dão, tanto ao lobo como ao cachorro, um papel de psicopompo.
Um mito dos algonquinos apresenta-o como um irmão do demiurgo Menebuch, O grande coelho*, a reinar no Ocidente, sobre o reino dos mortos. Essa mesma função de psicopompo lhe era reconhecida na Europa, como atesta este canto fúnebre romeno:
Aparecerá ainda O lobo diante de ti... Toma-o como irmão Porque o lobo conhece A ordem das florestas (...)Ele te conduzirá Pela estrada plana Até um filho de Rei Até o Paraíso
Observemos, para concluir, que o lobo infernal, e, sobretudo a loba, encarnação do desejo sexual, constituem um obstáculo na estrada do peregrino muçulmano que se dirige a Meca, e mais ainda no caminho de Damasco, onde toma as dimensões besta do Apocalipse.
Um comentário:
Tinha me esquecido deste post top de linha, acabei de voltar a ler ele, muito bom mesmo!
Postar um comentário
Observação: somente um membro deste blog pode postar um comentário.