sábado, 28 de maio de 2011

Lobo e seu Simbolismo em Todo o Mundo





O lobo é sinônimo de selvageria e a loba de libertinagem. Mas pressente-se que a linguagem dos símbolos interpreta estes animais de um modo infinitamente mais complexo, pelo fato de, em primeiro lugar, a exemplo de qualquer outro vetor simbó­lico, poder ser valorizados tanto positivos como negativamente. Positivo parece o simbolismo do lobo quando se observa que ele enxerga de noite. Torna-se então sím­bolo de luz, solar, herói guerreiro, ances­tral mítico. É a significação entre os nór­dicos e entre os gregos, onde é atribuído a Belen ou a Apolo (Apolo lício). O criador das dinastias chinesa e mongol é o lobo azul celeste. Sua força e seu ardor no combate fazem dele uma alegoria que os povos turcos perpetuarão até na história contemporânea, pois Mustapha Kemal, que se nomeara a si próprio Ataturk, isto é, Pai dos Turcos, recebera de seus partidários o sobrenome de lobo cinzento. O povo turco, que, reunido ao redor dele, combatia para recuperar sua identi­dade, ameaçada pela decadência do impé­rio otomano, reintroduzia assim uma ima­gem muito antiga: a do ancestral mítico de Gêngis Khan, o lobo-azul, manifestação da luz uraniana (raio) e cuja união com a corça-branca ou ruiva, que representa a terra, colocava na origem deste povo a hierogamia terra-céu.

Os povos da pradaria norte-americana parecem ter interpretado do mesmo modo a significação simbólica deste animal: Eu sou o lobo solitário, eu vago em diversos países. - diz um canto de guerra dos índios da pradaria.


A China também conhece um lobo ce­leste (a estrela Sirius), que é o guardião do Palácio celeste (a Ursa Maior). Esse caráter polar se reencontra no fato de que se atribui o lobo ao Norte. Observa-se, entretanto, que este papel de guardião engloba o aspecto feroz do animal: assim, em certas regiões do Japão, invocam-no como protetor contra os outros animais selva­gens. Evoca uma idéia de força mal con­tida, que é consumida com furor, mas sem discernimento.

A loba de Rômulo e Remo é, por sua vez, não solar e celeste, mas terrestre, se­não ctônica. Assim, tanto num caso como no outro, este animal permanece associado à idéia da fecundidade. A crença popular, em país turco, conservou esta herança até nossos dias. Entre os bezoares apreciados pelos iacutos, na Sibéria, o do lobo é con­siderado como o mais poderoso; na Anatólia, isto é, na outra extremidade da ex­tensão geográfica dos povos altaicos, vêem-se ainda mulheres estéreis invocarem o lobo para terem filhos. Em Kamchatka, na festa anual de outubro, faz-se uma imagem de lobo com feno, e ela é conservada du­rante um ano para que o lobo espose as moças da aldeia; entre os samoiedos coletou-se uma lenda que conta a história de uma mulher que vive numa caverna com um lobo.

Este aspecto ctônico ou infernal do sím­bolo constitui sua outra face importante. Parece ter ficado dominante no folclore europeu, como atesta, por exemplo, o conto do Chapeuzinho Vermelho. Já se cons­tata sua aparição na mitologia greco-latina: é a loba de Mormoliceu, ama-de-leite de Aqueronte, com que se ameaçam as crianças, exatamente como hoje em dia se evoca o grande lobo malvado; é a capa de pele de lobo de que se reveste Hades, o senhor dos Infernos; as orelhas de lobo do deus da morte dos etruscos; é também, segundo Diodoro de Sicília, Osíris ressuscitando sob a forma de lobo para ajudar a mulher e o filho a vencerem seu irmão malvado.


É também uma das formas dadas a Zeus (Licaios), a quem se imolavam em sacrifí­cio seres humanos, nos tempos em que reinava a magia agrícola, para pôr fim às secas, aos flagelos naturais de toda espé­cie: Zeus vertia então a chuva, fertilizava os campos, dirigia os ventos.

Nas imagens da Idade Média européia, os feiticeiros transformavam-se com maior freqüência em lobos para irem ao Sabá, enquanto as feiticeiras, nas mesmas oca­siões, usam ligas de pele de lobo. Na Espanha, ele é a montaria do feiticeiro. A crença nos licantropos ou lobisomens é atestada desde a Antiguidade na Europa; Virgílio já a menciona. Na França, só se começa a duvidar a respeito sob Luís XIV. É um dos componentes das cren­ças européias, um dos aspectos de que se revestem, sem dúvida, os espíritos das florestas.

Segundo Collin de Plancy, Bodin conta sem enrubescer que, em 1542, foram vis­tos certa manhã cento e cinqüenta lobiso­mens numa Praça de Constantinopla.



Este simbolismo de devorador é o da goela*, imagem iniciática e arquetípica, li­gada ao fenômeno de alternância dia-noite, morte-vida: a goela devora e vomita, ela é iniciadora, tomando, segundo a fauna local, a aparência do animal mais voraz: aqui o lobo, ali o jaguar*, o crocodilo* etc. A mitologia escandinava apresenta especifi­camente o lobo como um devorador de astros, o que pode ser rela­cionado com o lobo devorador da codorniz, de que fala o Rig-Veda. Se a codorniz* é, como observamos, um símbolo, de luz, a goela do lobo é à noite, a caverna, os infernos, a fase de pralaya cósmico; a li­bertação de dentro da garganta do lobo é a aurora, a luz iniciática que se segue à descida aos infernos, o kalpa.

Fenrir, o lobo-gigante, é um dos inimi­gos mais implacáveis dos deuses. Só a magia dos anões consegue parar a sua corri­da, graças a uma fita fantástica que nin­guém pode romper ou cortar. Na mitologia egípcia, Anúbis, o grande psicopompo, é chamado de Impu, aquele que tem a forma de um cão selvagem; é venerado cm Cinópolis como o deus dos infernos.


Esta goela monstruosa do lobo, de que Marie Bonaparte fala na sua auto-análise como estando associada aos temores de sua infância após a morte de sua mãe, não deixa de lembrar os contos de Perrault: Vovó, como tu tens dentes grandes! Há, portanto, observa G. Durand, uma conver­gência bem nítida entre a mordida dos canídeos e o medo do tempo destruidor. Cronos aparece aqui com o rosto de Anú­bis, do monstro que devora o tempo huma­no ou que ataca até os astros que medem o tempo.


Falamos do sentido iniciático destes sím­bolos. Acrescentamos que eles dão, tanto ao lobo como ao cachorro, um papel de psicopompo.


Um mito dos algonquinos apresenta-o como um irmão do demiurgo Menebuch, O grande coelho*, a reinar no Ocidente, sobre o reino dos mortos. Essa mesma função de psicopompo lhe era reconhecida na Europa, como atesta este canto fúnebre romeno:

 Aparecerá ainda O lobo diante de ti... Toma-o como irmão Porque o lobo conhece A ordem das florestas (...)Ele te conduzirá Pela estrada plana Até um filho de Rei Até o Paraíso



Observemos, para concluir, que o lobo infernal, e, sobretudo a loba, encarnação do desejo sexual, constituem um obstáculo na estrada do peregrino muçulmano que se dirige a Meca, e mais ainda no caminho de Damasco, onde toma as dimensões besta do Apocalipse.

Um comentário:

Anônimo disse...

Tinha me esquecido deste post top de linha, acabei de voltar a ler ele, muito bom mesmo!

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