terça-feira, 5 de janeiro de 2016

O Lobo - Grande Matador - A Mitologia do Lobo - Parte I

Foi e sempre será um animal lendário, um ser mitológico e um símbolo para as antigas crenças. Quase sempre perseguido, poucas vezes compreendido e muito menos respeitado, o Lobo constituiu alguma vez um sério concorrente do homem (sim, isso é verdade). A maior parte da humanidade considera-o como um símbolo de crueldade e de sangue, porque no passado, quando o homem aprendeu a domesticar e dominar outros animais, o Lobo converteu-se numa “peste”, um bandido que roubava o gado a camponeses e nómadas. Criatura mortífera por excelência, lá onde o lobo habita ninguém sabe o que é a paz, pois “o Grande Matador” leva a morte como seu estandarte, e como um digno filho de Marte vive em guerra constante.

Isto é o que ficou no nosso subconsciente coletivo, mas sem dúvida também o homem aprendeu com ele, e quando os humanos se viram obrigados pelas circunstâncias a adotar a prática da caça, desenvolveram um respeito muito especial pelos métodos e capacidades deste animal. Viram que o lobo era magnífico na sua estratégia, impecável em cada um de seus movimentos, mestre no ataque, a própria encarnação da força e da eficácia.

No entanto, em todas as batalhas entre o homem e o lobo, o último sempre teve que perder, como lei inevitável da escala evolutiva.

E foi assim que o vagabundo dos bosques estendeu as suas correrias pelo mundo fantástico da literatura e, do mesmo modo que se esconde numa cova para dar à luz os seus lobinhos, com o poder do seu fascínio introduziu-se na imaginação das mentes mais diversas, entre letrados e poetas, que por sua vez deram a luz inumeráveis histórias que sempre nos acompanharam.

É tradição que desde pequenos, com os olhos abertos, escutávamos a nossa mãe ou a avó contar-nos aqueles contos tão antigos como entranháveis de “Chapeuzinho Vermelho e o Lobo Mau” (alguns contos alterados para humanos e outros para os próprios lobos), ou as dificuldades que passaram os “Três Porquinhos”, ou “Os Sete Cabritos” (sendo esta segunda menos conhecida), ou a história daquele garoto pastor mentiroso que enganava todos dizendo que vinha aí o Lobo, ou… enfim, todo um inesgotável repertório com a constante do lobo como sendo o personagem mau da história. Uma vez Rudyard Kipling, inspirado na velha Índia, deu-nos outra visão do lobo, no seu maravilhoso “Livro da Selva”, e inclusivamente Ruben Dário conseguiu fazer dele um ser bondoso graças à santidade de Francisco de Assis, numa bela poesia. E quem não sentiu com Herman Hesse que dentro da sua alma palpita um “Lobo das Estepes”? (estão ligados nas referências?) . Há centenas, milhares de títulos em todas as línguas onde aparece este nome fascinante: LOBO.

E para entender alguns termos atuais, talvez convenha recordar as línguas raiz: em sânscrito chamava-se VRIKA, em persa VARKA, em grego LYKOS ou LUKOS, em latim, LUPOS (LVPVS), em eslavo VULKII e em lituano VILKA.

O Lobo na Mitologia

Na mitologia greco-latina encontramos vários deuses principais representados sob a forma de lobo. Mencionaremos em primeiro lugar ZEUS LYKAIOS de Arcádia, e também APOLO LYKAGENES; este último epíteto tem sido explicitado como “o da loba”, o “nascido da loba”, quer dizer gerado por Letona transmutada em loba segundo algumas versões, e assim o vemos representado em algumas moedas. Também em Cirene existia o culto a Apolo Lício, pois segundo a lenda, Apolo uniu-se à ninfa que deu nome à cidade sob a forma de lobo.

A deusa HécateA Lua –  , deusa da feitiçaria, era representada como uma loba; também as Ménades, as bacantes divinas que seguem Dionísio, com lobos nos braços, dado terem poder sobre as feras.

Sem dúvida os romanos consagraram este animal a Marte, deus da guerra. Nas festas que se celebravam em sua honra sacrificavam um cavalo como símbolo do ardor militar, e um lobo como emblema de furor. Na maioria das representações deste deus aparecem dois lobos gravados em baixo-relevo no seu casco.

Fora do âmbito greco-latino também encontramos numerosas associações entre o lobo e algumas divindades religiosas. Já os antigos lhe concederam um lugar no firmamento dando o seu nome a uma constelação astral debaixo de Libra e a ocidente de Escorpião. Na China antiga, por ocasião dos eclipses, lançavam-se flechas contra o “lobo celeste”, para restaurar o espaço ritual e restabelecer a ordem no mundo obscurecido pelas trevas.

É significativo o fato de que determinadas culturas que não tinham lobos nos seus habitats naturais, tenham usado alguns animais equivalentes, como o coiote e o chacal, dadas as evidentes semelhanças entre estes e o lobo. Do mesmo modo que, no caso das aves de rapina, se estabelece uma equivalência entre a águia, o condor e o falcão, consoante as regiões.

Vejamos, por exemplo, o tema central das cosmogonias californianas, onde o conflito se centra entre o Criador e o coiote; o Criador desejava fazer um mundo paradisíaco e um homem imortal; o coiote introduziu a morte e arruinou a terra dando origem às montanhas, destruindo os alimentos, etc.

Também no mundo egípcio o lobo era símbolo de valor; O mesmíssimo deus Anúbis, o deus com cabeça de chacal, também chamado “Senhor da Necrópolis”, aparece representado frequentemente sob a forma de cão ou lobo, e é igualmente associado com a guerra, sendo nas primeiras dinastias, o guia do rei nos combates.

Segundo Diodoro, Macedón – herói epônimo de Macedônia – é irmão de Anúbis. É representado revestido com uma couraça de pele de lobo, e o rosto coberto com uma mascara com a cabeça deste animal.

Na mitologia viking, o lobo, apesar de ter um caráter negativo, transformado de modo sobrenatural, ocupa um lugar predominante como animal simbólico. Existe um relato sobre os céus que se reveste de um significado algo sinistro. É fácil contemplar da terra, tanto o sol como a lua correndo pelo firmamento. Isto sucede, não só porque ambos são arrastados por esplêndidos corcéis, mas também porque os astros têm uma diligente necessidade de não perder tempo já que são perseguidos por lobos. Nem o sol nem a lua têm lugar onde se ocultar das bestas perversas e ficam assim condenados a correr á frente delas até ao fim dos tempos. As profecias afirmam que, no final, os lobos saltaram sobre o sol e a lua engolindo-os completamente.

Mais surpreendente é contudo a lenda de FENRIR. Depois da serpente mundial ter sido atirada ao oceano e Hel desterrado para Niflheim, restava ainda um terceiro filho do malvado Loki – gênio do mal - , o cachorro Fenrir. A princípio não era mais que um lobinho adorável, mas depressa começou a arreganhar os dentes. Cresceu rapidamente, chegou a comer um cordeiro de uma só vez, até que a sua presença se tornou insuportável para Asgard. Foi então que Odin ordenou que se fabricasse a celebre cadeia Loding, no entanto com um pequeno esforço a cadeia arrebentou. Os deuses então fabricaram a cadeia Dromi, que significa “os grilhões”, e que era muito mais forte que a anterior, mas esta também foi feita em pedaços por Fenrir. Assim, Odin recorreu à magia de um anão que fabricou uma corrente impossível de quebrar com seis ingredientes maravilhosos:

O ruído da queda de um gato a seus pés, a barba de uma mulher, as raízes de uma montanha, a respiração de um peixe, os nervos de um osso e a saliva de um pássaro.


Fenrir foi persuadido a deixar-se atar com o laço que era tão suave e frio como seda; e a magia do laço foi superior à força do lobo. Tanto se sacudia querendo escapar e tanto abria a boca querendo morder, que os deuses puseram lhe uma espada a modo de cunha entre as mandíbulas. A lenda diz que assim continuará até que chegue o Ragnarok. De Fenrir descende toda a raça de lobos, incluindo os que perseguem o sol e a lua através dos céus.

É curioso observar como o folclore tradicional do lobo se mistura com a religião cristã. De fato, na Galiza há alguns santos de misteriosa procedência com estranhas associações com os lobos. Mesmo assim, São Sava e São Teodoro, na Iugoslávia, e São Pedro na Romênia, são hoje considerados patronos dos lobos.

Mircea Elíade ressalta a antiguidade do que poderíamos chamar “licomitologia”:


O arcaísmo do complexo religioso desenvolvido em torno do lobo esta fora de dúvida. O lobo já estava presente na civilização neolítica de VINCA, onde apareceram figurinhas que tanto representam cães-lobos como também dançarinos com máscaras de lobo. No que respeita a estes últimos objetos, e supondo que a interpretação seja correta, não é possível definir se aludem a ritos iniciáticos guerreiros ou a cerimônias sazonais durante as quais os jovens revestem-se com mascaras de lobo. Essas cerimônias ainda são populares nos Bálcãs, na Romênia, especialmente durante os doze dias que vão da noite de Natal até Epifania”.

Aguarde a Parte II deste post... Em breve


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