Foi e sempre será um animal lendário, um ser mitológico e
um símbolo para as antigas crenças. Quase sempre perseguido, poucas vezes
compreendido e muito menos respeitado, o Lobo constituiu alguma vez um sério
concorrente do homem (sim, isso é verdade). A maior parte da humanidade
considera-o como um símbolo de crueldade e de sangue, porque no passado, quando
o homem aprendeu a domesticar e dominar outros animais, o Lobo converteu-se
numa “peste”, um bandido que roubava o gado a camponeses e nómadas. Criatura
mortífera por excelência, lá onde o lobo habita ninguém sabe o que é a paz,
pois “o Grande Matador” leva a morte como seu estandarte, e como um digno filho
de Marte vive em guerra constante.
Isto é o que ficou no nosso subconsciente coletivo, mas
sem dúvida também o homem aprendeu com ele, e quando os humanos se viram obrigados
pelas circunstâncias a adotar a prática da caça, desenvolveram um respeito
muito especial pelos métodos e capacidades deste animal. Viram que o lobo era
magnífico na sua estratégia, impecável em cada um de seus movimentos, mestre no
ataque, a própria encarnação da força e da eficácia.
No entanto, em todas as batalhas entre o homem e o lobo,
o último sempre teve que perder, como lei inevitável da escala evolutiva.
E foi assim que o vagabundo dos bosques estendeu as suas
correrias pelo mundo fantástico da literatura e, do mesmo modo que se esconde
numa cova para dar à luz os seus lobinhos, com o poder do seu fascínio
introduziu-se na imaginação das mentes mais diversas, entre letrados e poetas,
que por sua vez deram a luz inumeráveis histórias que sempre nos acompanharam.
É tradição que desde pequenos, com os olhos abertos,
escutávamos a nossa mãe ou a avó contar-nos aqueles contos tão antigos como
entranháveis de “Chapeuzinho Vermelho e o Lobo Mau” (alguns contos alterados
para humanos e outros para os próprios lobos), ou as dificuldades que passaram
os “Três Porquinhos”, ou “Os Sete Cabritos” (sendo esta segunda menos conhecida),
ou a história daquele garoto pastor mentiroso que enganava todos dizendo que
vinha aí o Lobo, ou… enfim, todo um inesgotável repertório com a constante do
lobo como sendo o personagem mau da história. Uma vez Rudyard Kipling,
inspirado na velha Índia, deu-nos outra visão do lobo, no seu maravilhoso “Livro
da Selva”, e inclusivamente Ruben Dário conseguiu fazer dele um ser bondoso
graças à santidade de Francisco de Assis, numa bela poesia. E quem não sentiu
com Herman Hesse que dentro da sua alma palpita um “Lobo das Estepes”? (estão
ligados nas referências?) . Há centenas, milhares de títulos em todas as
línguas onde aparece este nome fascinante: LOBO.
E para entender alguns termos atuais, talvez convenha
recordar as línguas raiz: em sânscrito chamava-se VRIKA, em persa VARKA, em
grego LYKOS ou LUKOS, em latim, LUPOS (LVPVS), em eslavo VULKII e em lituano
VILKA.
O Lobo na Mitologia
Na mitologia greco-latina encontramos vários deuses
principais representados sob a forma de lobo. Mencionaremos em primeiro lugar
ZEUS LYKAIOS de Arcádia, e também APOLO LYKAGENES; este último epíteto tem sido
explicitado como “o da loba”, o “nascido da loba”, quer dizer gerado por Letona
transmutada em loba segundo algumas versões, e assim o vemos representado em
algumas moedas. Também em Cirene existia o culto a Apolo Lício, pois segundo a
lenda, Apolo uniu-se à ninfa que deu nome à cidade sob a forma de lobo.
A deusa Hécate
– A Lua – , deusa da
feitiçaria, era representada como uma loba; também as Ménades, as bacantes
divinas que seguem Dionísio, com lobos nos braços, dado terem poder sobre as
feras.
Sem dúvida os romanos consagraram este animal a Marte,
deus da guerra. Nas festas que se celebravam em sua honra sacrificavam um
cavalo como símbolo do ardor militar, e um lobo como emblema de furor. Na
maioria das representações deste deus aparecem dois lobos gravados em
baixo-relevo no seu casco.
Fora do âmbito greco-latino também encontramos numerosas
associações entre o lobo e algumas divindades religiosas. Já os antigos lhe
concederam um lugar no firmamento dando o seu nome a uma constelação astral
debaixo de Libra e a ocidente de Escorpião. Na China antiga, por ocasião dos
eclipses, lançavam-se flechas contra o “lobo celeste”, para restaurar o espaço
ritual e restabelecer a ordem no mundo obscurecido pelas trevas.
É significativo o fato de que determinadas culturas que
não tinham lobos nos seus habitats naturais, tenham usado alguns animais
equivalentes, como o coiote e o chacal, dadas as evidentes semelhanças entre
estes e o lobo. Do mesmo modo que, no caso das aves de rapina, se estabelece
uma equivalência entre a águia, o condor e o falcão, consoante as regiões.
Vejamos, por exemplo, o tema central das cosmogonias
californianas, onde o conflito se centra entre o Criador e o coiote; o Criador
desejava fazer um mundo paradisíaco e um homem imortal; o coiote introduziu a
morte e arruinou a terra dando origem às montanhas, destruindo os alimentos,
etc.
Também no mundo egípcio o lobo era símbolo de valor; O
mesmíssimo deus Anúbis, o deus com cabeça de chacal, também chamado “Senhor da
Necrópolis”, aparece representado frequentemente sob a forma de cão ou lobo, e
é igualmente associado com a guerra, sendo nas primeiras dinastias, o guia do
rei nos combates.
Segundo Diodoro, Macedón – herói epônimo de Macedônia – é
irmão de Anúbis. É representado revestido com uma couraça de pele de lobo, e o
rosto coberto com uma mascara com a cabeça deste animal.
Na mitologia viking, o lobo, apesar de ter um caráter
negativo, transformado de modo sobrenatural, ocupa um lugar predominante como
animal simbólico. Existe um relato sobre os céus que se reveste de um
significado algo sinistro. É fácil contemplar da terra, tanto o sol como a lua
correndo pelo firmamento. Isto sucede, não só porque ambos são arrastados por
esplêndidos corcéis, mas também porque os astros têm uma diligente necessidade
de não perder tempo já que são perseguidos por lobos. Nem o sol nem a lua têm
lugar onde se ocultar das bestas perversas e ficam assim condenados a correr á
frente delas até ao fim dos tempos. As profecias afirmam que, no final, os
lobos saltaram sobre o sol e a lua engolindo-os completamente.
Mais surpreendente é contudo a lenda de FENRIR. Depois da
serpente mundial ter sido atirada ao oceano e Hel desterrado para Niflheim, restava
ainda um terceiro filho do malvado Loki – gênio do mal - , o cachorro Fenrir. A
princípio não era mais que um lobinho adorável, mas depressa começou a
arreganhar os dentes. Cresceu rapidamente, chegou a comer um cordeiro de uma só
vez, até que a sua presença se tornou insuportável para Asgard. Foi então que
Odin ordenou que se fabricasse a celebre cadeia Loding, no entanto com um
pequeno esforço a cadeia arrebentou. Os deuses então fabricaram a cadeia Dromi,
que significa “os grilhões”, e que era muito mais forte que a anterior, mas
esta também foi feita em pedaços por Fenrir. Assim, Odin recorreu à magia de um
anão que fabricou uma corrente impossível de quebrar com seis ingredientes
maravilhosos:
O ruído da queda de um gato a seus pés, a barba de uma
mulher, as raízes de uma montanha, a respiração de um peixe, os nervos de um
osso e a saliva de um pássaro.
Fenrir foi persuadido a deixar-se atar com o laço que era
tão suave e frio como seda; e a magia do laço foi superior à força do lobo.
Tanto se sacudia querendo escapar e tanto abria a boca querendo morder, que os
deuses puseram lhe uma espada a modo de cunha entre as mandíbulas. A lenda diz
que assim continuará até que chegue o Ragnarok. De Fenrir descende toda a raça
de lobos, incluindo os que perseguem o sol e a lua através dos céus.
É curioso observar como o folclore tradicional do lobo se
mistura com a religião cristã. De fato, na Galiza há alguns santos de
misteriosa procedência com estranhas associações com os lobos. Mesmo assim, São
Sava e São Teodoro, na Iugoslávia, e São Pedro na Romênia, são hoje
considerados patronos dos lobos.
Mircea Elíade ressalta a antiguidade do que poderíamos
chamar “licomitologia”:
“ O arcaísmo do
complexo religioso desenvolvido em torno do lobo esta fora de dúvida. O lobo já
estava presente na civilização neolítica de VINCA, onde apareceram figurinhas
que tanto representam cães-lobos como também dançarinos com máscaras de lobo.
No que respeita a estes últimos objetos, e supondo que a interpretação seja correta,
não é possível definir se aludem a ritos iniciáticos guerreiros ou a cerimônias sazonais durante as quais os jovens revestem-se com mascaras de lobo. Essas cerimônias ainda são populares nos Bálcãs, na Romênia, especialmente durante os
doze dias que vão da noite de Natal até Epifania”.
Aguarde a Parte II deste post... Em breve
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