“Vivo no inferno!”, pensei.
Acendi meu
cigarro, cabulado, uma sombra no parapeito da janela, admirando a lua. Lancei a
guimba cinco andares abaixo. Acho que acertei um gato, algo saiu correndo da
lata de lixo. Voltei-me ao cubículo que chamava de Dormitório, um
quarto-cozinha, o suficiente para sobreviver. Em meio ao caos que era aquele
lugar, havia um mundo de tralhas. Sobre a cama, desarrumada, pilhas de revistas pulp que
eu passei o dia lendo. Por todas as paredes, pôsteres mal colados de locadoras
de videocassete, filmes que passaram antes do bug do milênio. O ventilador de
teto sempre esteve pendurado ameaçadoramente, lá em cima, balançando quando
alguma brisa adentrava o quarto. Mais à direita, havia um frigobar e uma pia –
lotada de louça suja. No chão, embalagens de chips, garrafas de gim
solitário.
E baratas por todo
canto, esses insetos asquerosos. Atrás da porta, fotos de mulheres nuas. Lembro
que era comum nos quartos adolescentes de filmes do final do século XX. Acho
que os garotos punheteiros começaram a surgir em massa a partir do videogame,
do come-come nos anos 80. Não havia dúvidas. Eu tava no inferno mesmo, o loop infinito
de dor e asco. Ligar a TV só piora a situação. Não passa de um lixo alienante
recheado de estímulos de violência e pulsão sexual. Assassinatos. Psicopatas.
Programas de auditório. Bundas redondas nos comerciais de cerveja. Toda essa
merda. Também evito ter um desktop. Computador em casa só serve pra te
deixar distraído, vidrado. É um anestésico, pior que a droga da televisão.
Joguei o monitor pela janela faz dois meses. Só uso internet fora de casa.
Cansei. Sentei-me
na cadeira de três pés. Não estava me sentindo bem. Devia ser aquele sanduíche
que comi na rua, a carne não cheirava bem. Minha cabeça começou a rodar. Olhei
sobressaltado para as mãos peludas, as unhas selvagens. Deus! Há quanto tempo
não as corto? Os pensamentos foram ficando cada vez mais confusos, como o
chiado de um rádio fora do ar. Fome. Fome animal. Era como se houvessem rasgado
um buraco negro no meu estômago. Devia tapar o buraco a todo custo. Derrubei a
porta e saí correndo escada abaixo. Uivando.
André
Serrano
Lambido de Pontos Estranhos
Um comentário:
Doidera!
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