Lobos Enviados Pelos Deuses
Do mesmo modo que determinados animais, como a águia e o
corvo, exercem uma função oracular específica, são numerosas as lendas
greco-latinas nas quais o lobo surge como um prodígio enviado pelos deuses em
função de um presságio. Esse é o caso de Dânao: encontrando-se frente a frente,
Dânao e Gelanor, a ponto de iniciar um combate decisivo, ao amanhecer um lobo
saiu do bosque e precipitou-se sobre um rebanho que passava por diante da
cidade. Saltou sobre o touro, dominou-o, e finalmente matou-o. Os argivos, impressionados
pela semelhança de Dânao com esse lobo, viram nesse prodígio a vontade divina e
elegeram Dânao como rei dos Argos. Este ergueu um santuário a Apolo Lício.
Também Psamate – nereida mãe de Foco – enviou contra os
rebanhos de Peleo, que o haviam morto, um lobo furioso que foi convertido em
pedra.
Perto do monte Soratte – montanha que eleva ao norte de
Roma – viviam “os lobos de Sora” (Hirpi Soranii). Sobre esta confraria de
lobos, que dançavam descalços sobre brasas de carvão, contava-se uma curiosa
lenda conservada por Sérvio: Numa ocasião em que os habitantes do Soratte se
encontravam oferecendo um sacrifício a Dis Pater, irromperam vários lobos que
subtraíram das chamas pedaços de carne das vítimas. Os oficiantes lançaram-se
em sua perseguição e após uma longa estrada, viram como desapareciam penetrando
numa caverna da qual saia um fedor pestilento. Era tão espantoso o fedor, que
não só matou os perseguidores como também espalhou uma epidemia por toda a
comarca. Interrogou-se o oráculo e este respondeu que, para serenar os deuses,
os habitantes deveriam “tornar-se semelhantes a lobos”, ou seja, viver da
rapina. Segundo Plínio o seu rito anual de caminhar com os pés descalços sobre
as brasas era considerado como uma garantia de fertilidade para o país;
fazendo-o ficavam isentos de pagar impostos e do serviço militar.
Povos Sob o Signo do Lobo
Entre os indo-europeus, muitos foram os povos que
surgiram a partir do lobo. Ao sul do mar Cáspio estendia-se Hircania,
literalmente “país de lobos”. Em Frigia temos a tribo dos Orka (Orkoi); na
Arcádia os Lyhaones; na Ásia Menor a Lucaonia. Um povo itálico, os Hirpinos,
tem o lobo como animal originário; segundo Estrabón, os Hirpinos receberam o
seu nome do lobo que lhes serviu de guia até ao seu novo aldeamento; diz este
autor que Hirpus é o nome samnita do lobo, tradição também testemunhada por
Festo. O homem da tribo samnita dos Lucanos, vizinhos dos Hirpinos, derivava,
segundo Heraclito de Ponto, de Lykos, lobo em grego.
Mircea Eliáde assegura que em regiões tão distintas como
Irlanda, Inglaterra e Espanha existiram tribos com nomes alusivos ao lobo, como
os Loukentioi e Lucenses na Gália Celtibérica.
Na Ásia Central conhece-se, com numerosas variantes, o
mito da união entre um lobo sobrenatural e uma princesa, que haveria dado
origem a um povo ou dinastia. Os Tu-Kiu, um ramo dos Hiong-nu, afirmavam
proceder de uma loba mítica. Em cada ano, o Khan dos Tu-Kiu oferecia um
sacrifício à loba na mesma gruta onde, segundo se queria, havia parido. Os
membros da guarda pessoal do rei eram chamados de lobos e durante o combate
levavam um estandarte rematado pela figura de uma loba dourada. No “Livro
Secreto dos Mongóis” podemos ler textualmente sobre os remotos princípios de
seu passado:
“Uma vez um lobo
azul baixou do céu.
Casou com uma corça.
E vieram os dois,
Passaram as águas imensas,
Acamparam onde nasce Onón,
Sob o monte de Burjan Jaldún.
Assim nasceu Batachiján.”
A partir deste primeiro homem, desta primeira semente,
segue a linha até surgir um personagem decisivo na história do mundo e criador
de um grande império, talvez o maior da História: o seu nome é Genghis Khan.
Temos irremediavelmente de voltar a socorrer-nos da
erudição de Eliade, o qual fez um estudo exaustivo sobre lendas de lobos, tão
vinculadas a seu país de origem, Roménia. Parece que os primitivos habitantes
da região dos Cárpatos, os Dácios, foram inicialmente chamados de Daoi, o que
significa “semelhantes a lobos”, da raiz Dhau, “apertar, estreitar,
estrangular”. Este importante povo, com o lobo em seu estandarte, foi capaz de
mobilizar cerca de 200.000 homens, segundo Estrabão. Júlio César compreendeu
muito bem o perigo que representava esta nova potência militar e preparava-se
para atacar os “lobos do Danúbio” quando foi assassinado. Mas a história tem
caminhos tão estranhos como curiosos, e sobre isso Elíade escreve textualmente:
“É significativo o
fato de que o único povo que conseguiu vencer definitivamente os Dácios, que
ocupou e colonizou o seu território e lhe impôs a sua língua, foi o povo romano,
um povo cujo mito genealógico se formou em torno de Rómulo e Remo, filhos do
deus-lobo Marte, amamentados pela loba do Capitólio. O povo romano foi
resultado dessa conquista e assimilação. Na perspectiva da história mitológica
poderíamos dizer que esse povo foi engendrado sob o signo do lobo, ou seja, que
está destinado ás guerras, invasões e migrações. O lobo apareceu pela terceira
vez no horizonte mítico da história dos daco-romanos e de seus descendentes.
Com efeito, os principados romanos fundaram-se como sequela das invasões de
Genghis Khan e de seus sucessores.”
E já vimos qual foi a origem do grande mongol.
Aguarde a Parte III desse Post... Em breve...
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