Meio-Dia Capítulo 1
Benedito caminhava em meio ao território desértico. Exausto, a sombra exatamente sob seus pés descalços e feridos o fazia lembrar que naquela hora, as famílias normais costumavam por o almoço na mesa.
Tá com fome Desgraça?!
Não, ele não falava sozinho. Desgraça era o nome da cadela que inocentemente faminta o acompanhava a alguns quilômetros. Nas últimas semanas de andança a coitada o acompanhou por cada passo e já havia mudado de nome no mínimo por umas quatro vezes. No começo era Zuada devido aos ganidos que explosivamente soltava, a medida que a fome aumentou a criatura foi tornando-se menos barulhenta. Depois ganhou o belo nome de Esperança, justo no dia em que farejou um resto de gado ainda com carne para que pudessem degustar, mas os momentos de alegria duram pouco e novamente os nomes que Benedito escolhia à cadela ficavam menos carinhosos. Na maior parte do tempo foi Carniça mesmo, mas atualmente a preferência era por Desgraça.
A cadela não era a única companheira fiel do andarilho, a fome estava mais do que presente. Benedito só não andava apenas com a fome e esquecia a Desgraça de lado porque precisava dela, tanto quanto ela precisava dele. Enquanto ele estava ficando quase surdo, Desgraça estava quase cega, então juntos seriam mais eficientes.
Já fazia mais de dois dias que não comiam nada além da poeira e dos insetos que eventualmente entravam em suas bocas. No alto, três urubus os observavam em seus voos circulares, só aguardando o momento exato em que algum desistisse da vida.
O calor, as feridas, a fome e agora urubus? O que mais poderia piorar nessa situação? A cadela já não suportava mais dar sequer uma passada. O corpo franzino e sem raça definida sobre as quatro canelinhas finas já fraquejava.
--ta que pariu Desgraça! Num morre não infeliz! Se tu morrer eu vou ter que te devorar só pra num dar gosto aos urubus...
Exausta e faminta, Desgraça deitou ofegante no chão quente do Sertão. A língua da cadela estirava-se para fora do focinho fino, mas nem saliva escorria de tanta sede que ela tinha.
Benedito gostava de Desgraça... Bem, ele gostava da cadela melhor dizendo, ou melhor ainda, ele estava acostumado com a presença dela. Perdê-la seria mais uma grande dor para este homem sofrido carregar.
Resmungando, ele abaixou-se e colheu a cadela em seus braços. Já estava cansado, mal podia manter-se em pé e agora ainda carregava aquele saquinho de ossos caninos entre seus braços peludos. Agora literalmente ele levava o peso da Desgraça.
Alguns passos foram mais do que suficientes para esgotar a coragem de Benedito. O corpo e a mente estavam exaustos de tanto sofrimento, o homem desmaiou e por pouco não matava a Desgraça com o peso do corpo. Os urubus observavam do alto a situação propícia e já desciam circularmente até o solo. Os olhos negros, arregalados, desejavam saborear aqueles corpos cozidos pelo Sol.
Um fato interessante a retratar dos urubus é que sua graciosidade apresentada em voo é totalmente substituída por esquisitice quando chegam ao solo. O andar deles é comparado a uma bruxa bêbada, velha e manca de braços abertos.
As aves se entreolhavam diante dos corpos no chão, se pudessem se comunicar com toda certeza estariam dizendo: E aí?! Vamos pegar qual primeiro?
A escolha mais óbvia seria Benedito, era maior e mesmo que estivesse um saco de ossos, ainda teria mais carne que a cadela. O urubu que aparentemente liderava o grupo foi com o bico em direção aos olhos de Benedito.
Vá bicar os olhos do Cão seu filho de uma quenga! – Benedito enfim havia acordado – Perjura! Um desconjurado dos Infernos desses querendo me comer...
A mão ossuda de Benedito segurava o animal pela cabeça, deixava ver apenas os olhos negros e assustados da ave que sacudia as asas tentando se soltar, enquanto seus outros dois amigos fugiam covardemente, alçando voo à qualquer lugar distante dali.
Crac. A cabeça do urubu acabava de ser esmagada. Benedito observava atento o sangue grosso escorrer por entre seus dedos e salivava.
Acorde Desgraça! Acorda infeliz! Já tem o que comer aqui criatura!
A cadela que antes parecia morta, agora estava de pé, balançando o rabo em forma de espanador para todos os lados enquanto lambia a mão de Benedito.
Morra não, bichinha! Se não eu vou ter que comer a porcaria do urubu sozinho – Dizia isso enquanto rasgava a barriga da ave empurrava um punhado de tripas cruas garganta adentro.
Benedito não era humano, notava-se pelos seus atos animalizados, mas podíamos notar que seu coração era bom... era puro... pura selvageria.
5 comentários:
Muito engraçado a história, mas também é muito perfeita, fiquei com dó de todos eles, isso era incrivel
Mto 10 é pouco ;) é Perfeito :)
Esperando fielmente os próximos capitulos...rsrsrs...
Senti até sede, lendo este texto!
Que a saga de Benedito vire um folhetim no blog, pois há muito o que explorar aí.
Parabéns e bom prosseguimento na escrita.
Agora com o apoio do Alfer eu me sinto seguro para dar continuidade ao Lua Cheia no Sertão!
Agradeço à todos o apoio!
daora. Só pode ser um lobisomem na forma humana.
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