segunda-feira, 6 de fevereiro de 2012

O Lobisomem - Cantiga & Cordel

Já faz tempo, muito tempo...
Visto com certo malgrado
enterrei velhos ressábios
nos longes deste lugar,
no fundo desse mistério
se resumia um gaudério
já cansado de andar.

Era o refúgio pra um taura
com carência de sossego.
Acostumei com o tempo
no vazio do isolamento
ruminando meus segredos...
Mas em noites claras não durmo...
Saio pra o campo sem rumo
zombando da solidão,
e nem sei por qual razão
passo horas em vigília,
cantando pra lua cheia
lá no alto da coxilha.

O povo cheio de crença
“mal disse” pela querência
o meu modo de viver,
se alastrou pelas fazendas
relatos, boatos e lendas
a respeito do meu ser.

São histórias fantasiosas
que causam medo e espanto...
Dizem que almas penadas
saem rondando as canhadas
nas madrugadas que canto.

Minha fama é maldizente!
desse conceito sinistro
me veio a fama de bicho
que se disfarça de gente.

-No meu rancho ninguém chega-
Numa pressa improvisada
cruzam além da porteira
sem aceno nem mirada...
Os potros de minha doma
não querem nem de regalo,
... magoado pelas desfeitas
larguei pra o campo os cavalos.

-Comigo ninguém mateia-
Ariscos e desconfiados
nem vago pede pousada
ou apeia pra um amargo...
Na cisma de mau agouro
recusam meu chimarrão,
e de soslaio se esquivam
de meu aperto de mão.
... por total indiferença
aos princípios de um campeiro,
meu gado virou refugo
já nem paro mais rodeio,
Tudo oque tem minha marca
dizem ser amaldiçoado.
... sou referência de assombro
no misticismo do pago.

Talvez seja esta melena
surrada de vento norte,
ou a barba de dois palmos
que justifica o meu porte...
Talvez seja a estampa rude
num perfil desaprumado,
ou estas pernas cambotas
por culpa dos aporreados.

Dizem que meus olhos brilham
qual uma tocha de fogo
e que nas “Sextas” de lua
ouvem ganidos de um lobo...
Dizem que os cuscos do pago
passam a noite uivando
quando me ouvem cantando
com soluços de urutago.

Que preconceito maldito!
O povo me fez proscrito
por insensata razão...
É clara a velha tendência:
“Quem julga pela aparência
não enxerga o lado bom.”
... sou visto por mau pressago
só porque vivo solito
cantando por puro instinto
versos bonitos que trago...

Mas, já nem me importo com isso,
se sou visto como gente
ou sou visto como bicho.
... se vou morrer com o fado
de assombrar o próprio pago
pois que seja por capricho
numa noite de vigília...
-talvez numa sexta-feira-
cantando pra lua cheia
lá no alto da coxilha!!


Autor: Luiz Lopes de Souza
Intérprete: Rodrigo Cavalheiro
Amadrinhador: Natalício Cavalheiro

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