sábado, 8 de janeiro de 2011

Alhures




Tal calmaria era impossível, muito além da imaginação. O silêncio ensurdecia os mais bravos guerreiros que lutariam até a última gota de sangue para preservar o reino. A situação era demasiadamente complexa, humano ou não, o que quer que fosse, sua honra e sua coragem eram inabaláveis, seu espírito era invencível, e sua nobreza superava a do maior dos grandes reis. Por estes motivos, os homens olhavam, mas se negavam a crer que era possível vê-lo tombar.

- Desvia os olhos meu jovem – eu digo com a voz trêmula – Ninguém deve ver que choro, mesmo que seja a única reação possível nesse momento em que contemplo minha maior perda.

Os olhares não possuíam mais o mesmo brilho, senão o das lágrimas que corriam pelas faces. Eles perdiam um Rei, eu perdia muito mais do que isso, era a perca de um Pai que me feria, minha dor era mil vezes maior do que a de qualquer um naquele lugar.

Meu elmo banhado em suor e sangue agoniava ainda mais minha mente, meus pensamentos muito além de onde estávamos fazia-me lembrar do tempo de infância, época onde víamos as coisas com a pureza e inocência que realmente só estão presentes na alma de uma criança. “Saudade” era a palavra chave, isso sim era o que me maltratava, a maior sensação de perca capaz de ser sentida.

Num caminhar lento, quase que espectral, fui até o corpo eternamente adormecido sobre aquele solo quente, toquei sua testa fria e o beijei entre as sobrancelhas. Minhas demonstrações de amor durante sua vida foram pouquíssimas, anti-sentimentalismo recíproco. Era como se nos preparasse diariamente pra sua perda, sabia que um abraço ia fazer muita falta agora, ele de fato sabia demais.

As lembranças me levavam aos bons momentos. Senti que eu fui capaz de dar-lhe orgulho em muitos momentos, e o orgulho era algo que ele sempre prezava bastante, mesmo que eu tenha ferido por várias vezes a honra que ele tanto juntara a vida inteira, seria ali, em seu leito de morte que eu iria retribuir cada uma das gotas de orgulho que burramente desperdicei, todo meu orgulho agora convertido em lágrimas .

Mesmo que distante, ele estaria olhando por mim, por meus irmãos, por todos nós e sei que um dia hei de reencontrá-lo... Alhures, mas ainda o verei!

Gabriel D'Amorim Santiago
Texto adaptado em memória de meu pai, Sebastião Wilfredo Santiago!

Um comentário:

Mysteriotides disse...

Belíssimo texto Gabriel.
É uma honra e um prazer fazer parte do Arc'

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